Por: Paulo Camargo*
As lágrimas de Cristiano Ronaldo após a conquista do título da Nations League por Portugal, no último domingo, não foram apenas de alegria. Foram o testemunho vivo de uma verdade que venho defendendo há anos: a verdadeira liderança não está em fazer tudo sozinho, mas em saber dar um o para o lado para que outros possam assumir a dianteira.
Aos 40 anos, CR7 não é mais aquele jogador que domina os 90 minutos de uma partida. Seu corpo já não responde com a mesma explosão de outrora. Mas sua influência no título português foi inegável e nos ensina uma lição poderosa sobre um dos conceitos mais transformadores da liderança moderna: terceirizar suas fraquezas.
“Ganhar troféus com meu país supera todos os títulos de clubes”, declarou um emocionado Ronaldo após a vitória. Esta frase revela muito mais do que patriotismo, mostra um líder que entendeu que seu legado não depende apenas de suas próprias ações, mas do sucesso coletivo que ajuda a construir.
Durante a campanha vitoriosa, vimos um Cristiano diferente. Não era mais o protagonista absoluto dos gols decisivos em todos os jogos. Em alguns momentos cruciais, eram outros nomes que brilhavam. Mas sua presença em campo, sua voz no vestiário e sua capacidade de inspirar fizeram toda a diferença.
O que testemunhamos foi a aplicação perfeita do conceito de “terceirizar suas fraquezas”, identificar onde você não é mais tão eficiente e delegar essas funções a quem pode executá-las melhor, enquanto concentra sua energia onde seu impacto ainda é máximo.
O técnico Roberto Martinez construiu uma equipe que potencializava as forças de Ronaldo enquanto compensava suas limitações físicas atuais. Jogadores como Nuno Mendes, eleito o Jogador da Fase Final, e o goleiro Diogo Costa, decisivo nos momentos cruciais, assumiram protagonismo em áreas onde o capitão já não poderia dominar sozinho.
Como dizia meu professor Paulo Gaudêncio: “Todo Dom Quixote precisa de um Sancho Pança”. Esta máxima nunca foi tão verdadeira quanto na relação entre Cristiano Ronaldo e Roberto Martinez. Enquanto Ronaldo personifica o idealismo, a ambição e a busca incansável pela excelência, características típicas de Dom Quixote, Martinez trouxe o pragmatismo, a visão de conjunto e o senso de realidade que complementam o capitão, assim como Sancho Pança fazia com seu mestre.
Ronaldo não precisava mais ser o jogador que corre 90 minutos pressionando a defesa adversária. Ele podia focar em momentos decisivos, como o gol que marcou na final, enquanto seus companheiros complementavam em outras áreas.
O que mais impressiona nesta nova versão de Cristiano Ronaldo é sua autenticidade. Ele não finge ser o mesmo jogador de dez anos atrás. Não esconde suas limitações. Ao contrário, as reconhece e adapta seu jogo a elas.
Mais surpreendente ainda foi ver o capitão português permitir-se ser vulnerável, chorando abertamente após a conquista, escondendo o rosto durante as cobranças de pênaltis, demonstrando sua humanidade para além da imagem de super-herói inabalável que construiu ao longo dos anos.
A vulnerabilidade, longe de ser fraqueza, é a maior geradora de confiança e conexão genuína. Quando um líder se permite ser autêntico e vulnerável, cria um ambiente onde todos podem fazer o mesmo.
Ronaldo não tenta mais ser o que era, ele evoluiu para uma nova versão de si mesmo, igualmente valiosa, mas diferente. E ao mostrar suas emoções sem filtros, fortaleceu ainda mais os laços com seus companheiros e torcedores, criando uma conexão que transcende o desempenho esportivo.
O exemplo de Cristiano Ronaldo transcende o futebol. Em um mundo corporativo onde líderes frequentemente se sentem pressionados a dominar todas as áreas e a nunca demonstrar fragilidade, a lição é clara: sua maior força pode estar justamente em reconhecer onde você não é forte e em permitir-se ser humano.
Quantos executivos se esgotam tentando ser especialistas em tudo? Quantos líderes perdem oportunidades por não saberem delegar? Quantos gestores falham em criar conexões genuínas por medo de mostrar vulnerabilidade?
O que ficará para a história não é apenas o título conquistado por Portugal, mas a evolução de um líder que soube se reinventar. Ronaldo não diminuiu sua importância ao terceirizar algumas de suas antigas funções ou ao mostrar-se vulnerável, ele a ampliou.
Da mesma forma, líderes empresariais não se tornam menos relevantes quando delegam, formam equipes complementares e mostram sua humanidade. Pelo contrário, elevam seu impacto a um novo patamar.
A verdadeira liderança não está em fazer tudo sozinho ou em parecer infalível, mas em criar as condições para que todos possam brilhar, inclusive você, e em construir conexões autênticas baseadas na confiança mútua.
Cristiano Ronaldo entendeu isso. E você?
* Paulo Camargo é mentor de CEOs, palestrante, autor de ‘Seja o Líder que Você Gostaria de Ter Como Chefe’ e ex-CEO de organizações como McDonald’s Brasil, Zamp, Espaçolaser e Iron Mountain